Leitor

Amor a prazo.

Estou a ver-te. Agora olhaste para mim e sorriste. Como eu adoro todos os teus sorrisos. Tu, de lábios cheios e dentes traçados de personalidade, ficas ainda mais lindo a sorrir. Voltas a olhar para o computador. Está tarde e estás cansado.  Mas essa necessidade louca de te preencheres com o que achas que deves está a matar-nos os dias. Queria que viesses para a cama porque está frio e eu preciso de ti. A cama continua por desfazer do teu lado há três dias, são três noites em que não te sinto a dormir a meu lado. Continuo a olhar para ti porque não me canso, nunca pensei sequer em cansar-me. Amo-te como se te tivesse descoberto agora.
Volto para o quarto e tento dormir enquanto sou assombrada por um filme à antiga, cheio de pormenores, detalhes da nossa história. E tantos episódios soltos, tal e qual cartas espalhadas sobre a mesa. 

A primeira vez que nos vimos e o abraço que me deste. Seguraste o meu mundo por 30 segundos e fiquei feliz porque foste a primeira pessoa que não o deixou cair. Porque foste a única pessoa a dizer que eu só tinha falta de um abraço para resolver todos os tormentos que existiam dentro de mim. Curaste-me mil.

O teu ar de criança a jogar em frente ao computador. Ainda hoje tens essa mania, esse hábito e necessidade que te mantém tão atraente. Se soubesses o quão sexy ficas de boxers a discutir para um monitor. E tantas as vezes que me deixaste sozinha para "matar o vício". 

A primeira vez que cozinhei para ti. Senti-me mais tua mãe do que tua namorada e foi aí que percebi que seriam teus, os meus filhos. 

Os passeios à beira-mar e as juras de amor eterno.

O cheiro característico da casa dos teus pais.

O mau feitio da tua avó que nunca me suportou. Ainda hoje não suporta.

Está frio e ainda não vieste para a cama. Sei o que se passa. Preparo-te um café bem forte, da cor dos meus olhos. Um mimo nunca fez mal a ninguém e sei que estás a precisar. Eu também estou. Mas não tenho quem mo faça então volto para a cama tal e qual como vim. Vestida apenas com a tua t-shirt e chinelos de enfiar o dedo, que ridícula que sou, a morrer de frio e enrolada numa manta só para não perder a oportunidade de sentir o teu cheiro, nem que seja através de um  pedaço de tecido.

Só não fico triste por mim porque estou demasiado triste por ti. Porque sei que não me amas tanto como querias amar e porque o cansaço se apoderou de ti. Não és cobarde, és o meu herói. Preferes lutar para amar do que fugir de quem te ama. Não há esforço mais bonito no mundo do que aquele que se faz por quem se ama. Ou se quer amar. Já me deste tanto que seria hipocrisia minha tentar forçar-te a mais e por isso tento atenuar a tua confusão momentânea com cafés e beijos na testa, enquanto olho o máximo de tempo possível para ti, porque sei que cada olhar que trocamos poderá ser o último. 






Estou-te a ver. E tu olhaste para mim e sorriste. Mas esse sorriso... Não me lembro de alguma vez o ter visto. Deve ser o teu sorriso melancólico. E continuas lindo, tantos anos depois. O tempo só conseguiu apurar o teu jeito eterno de criança. Cabelo grisalho e roupas amarrotadas de quem não conseguiu arranjar paciência para as passar a ferro. Ainda tens as sapatilhas que te ofereci, passados 13 anos. Estão rotas e desbotadas tal como tu. Essa barba de três dias consegue tornar-te ainda mais sensual, como nunca pensei que pudesses sê-lo. Quero falar-te mas não sei bem o que dizer. Que tive saudades? Que lamento não ter aguentado a pressão de ver-te definhar entre quatro paredes? Que noto o teu ar cansado da vida e de quem precisa de companhia? Que te amei ao longo de todos estes anos? Que estou magoada por te ter perdido? Por não ter sido capaz de te fazer amar-me? Continuas a olhar para mim.  Peço um café fraco. Sempre lidei mal com a cafeína mas continuo a cometer o erro de a consumir. Peço um segundo café. Forte e bem escuro, da cor dos meus olhos e mando também um bilhete, em segredo.
Reparo que trazes o relógio verde que te dei pelo aniversário e apercebo-me de que afinal, sempre fui a dona do teu tempo. Que se calhar fui embora cedo demais e tu reparaste, tarde demais, que tinhas deixado a oportunidade fugir. Que nos desencontrámos ao mesmo tempo e no mesmo sítio. Que estávamos bem e mudámo-nos para não sei onde. Olho mais uma vez para ti e espero que a empregada te entregue o papel, tal como lhe pedi. Continuas lindo. Guardo uma última imagem, pego na minha mala e vou embora. O caminho é longo mas eu já o conheço. Faço-me à estrada e reparo que um passarinho me alegra o trajeto. Sorrio. 
Como poderei eu fartar-me de ver em ti o que há de melhor em mim? Amo-te como se te tivesse descoberto agora. 

Continuas o mesmo, não sei se é bom ou mau. Sei apenas que o meu coração quis saltar do peito quando te vi e que fui invadida por mil borboletas inquietas quando me sorriste. Acasos do destino ou não, agradeço por este momento. Sabe bem poder atualizar a imagem que tenho dentro de mim, cresceste tanto desde que me fui embora. És um grande homem e sempre to disse. Alguém me disse que às vezes o adeus é a segunda oportunidade. Este reencontro pode ser uma terceira? Sabes onde me encontrar. É só me seguires. Se quando olhar para trás, tiveres a olhar para mim, saberei que me amas como se me tivesses descoberto agora. Se não tiveres... Bem... Então isto foi uma maneira boa de relembrar o quanto ainda te amo. Deixo-te um café forte e escuro, da cor dos meus olhos para nunca te esqueceres que eles sempre foram teus. Até já. 


Fui agarrada num turbilhão de abraços. Voltou a agarrar o meu mundo, jogou-o ao ar e não o deixou cair; novamente. Acabou de me curar mais um tormento. Afinal nem tudo tem prazo de validade... Amor.

Sem comentários:

Enviar um comentário