Leitor

love no less worthy



“...as long as nothing happens between them, the memory is cursed with what hasn't happened.”



Às vezes deito a cabeça na almofada e esboço um sorriso seco e melancólico. Sabe-me bem saber que ainda me lembro de ti quando o mundo está a pesar-me nas costas e que ainda consegues ser o meu porto de abrigo. Mesmo que não o saibas. Não é que seja impossível; convenhamos, nem toda a gente que sai das nossas vidas nos deixa um gosto doce na boca. Aliás, uma grande porção desses seres é bem capaz de nos pesar ainda mais do que o mundo nas costas, e não há cama nem almofada que nos salve. É por isso que a maioria das vezes nos forçamos a sair de casa e deixamos as chaves num poço sem fundo, porque voltar para o sítio que conhecemos nos dói mais do que sair em busca do desconhecido e de um conforto alheio. É exatamente o que se sente quando as pessoas já não nos acrescentam nada, que apenas nos passam os dias e, na sua incompetente consciência, nos sufocam tanto que o ar parece que só lhes pertence: que só elas sabem, que só elas querem, que só elas desejam, que só elas amam. E acabam por ser tão elas que não nos deixam sermos nós. E dói tanto deixarmos de ser nós próprios para deixarmos os outros serem eles mesmos... Mesmo que seja com as melhores intenções do mundo. No entanto, é realmente inevitável deixarmo-nos entrelaçar nesses nós, como se de uma música inebriante se tratasse e não conseguíssemos impedir o nosso pé de trautear a canção.
Felizmente não és um caso desses. A tua saída foi subtil e concedida pelo futuro que nos chegou depressa demais. Ninguém apressou a sua vinda, mas o facto é que com a chegada dele, foi ditada a tua partida. Deixaste um sabor doce na minha boca quando partiste e, às vezes, quando parece que tudo o que me rodeia é negro e triste, ainda te ouço mandar risadas na minha cabeça e parece que sinto as tuas mãos alcançarem as minhas. Sabes-me tão bem.
É quando me lembro de ti que os meus olhos se iluminam, que sinto um alívio no peso da minha consciência, que os meus dias se moldam às horas e que as horas se moldam exactamente ao tempo em que passas a dormir que nem um anjo inocente no meu pensamento. Eu só te acordo quando preciso. Forço-me todos os dias para me lembrar de todos os teus mil sorrisos, de todas as maneiras que me soubeste olhar. De todas as vezes em que soubeste dedicar-me cada estrela no céu e principalmente, de todos os beijos que me ofereceste. No fundo não é difícil; a nossa mente possui um filtro de memórias e, conscientemente, sabemos e conseguimos guardar o que nos faz bem e o que nos acrescenta. Tu, que já me deste tanto e eu só te retribuo cada vez que preciso que me dês um pouco mais. Mesmo que não o saibas. Mesmo que adormecido. Eu acordo-te sempre que preciso dormir e embalas o meu sono como nunca ninguém o soube fazer. Funcionas como uma anestesia, ou melhor ainda, és o meu sedativo pessoal. Tu foste embora da minha vida mas deixaste aquilo que há de mais bonito: as memórias.
Por agora, isso chega-me para aguentar só mais um dia.

E tu?

Ainda te lembras de mim?

the unforgiven

Durante muito tempo tentei que as coisas mudassem. Fiz mil discursos, queixei-me, incentivei, sem nunca ver mudança alguma. Tinha os meus momentos de desesperança, mas depois levantava a cabeça e estava novamente pronta para tentar. Mais uma vez ouvia as desculpas e promessas que eu já conhecia, mas acreditava sempre. Só assim eu teria forças para continuar a sonhar e a suportar o facto de não estar a ser como eu sempre sonhara. Mas as palavras gastaram-se, a espera excedeu-se e eu em vez de olhar para fora, como sempre tinha feito, olhei para dentro. Exigi de mim, dominei a parte mais indominável de mim mesma, controlei a maneira de ser intempestiva, impulsiva, deixei de parte as exigências e as palavras que eram tantas vezes fonte de problemas. Senti-me bem, senti que tinha cumprido a minha missão, e mais uma vez pensei que a partir dali seria sempre a melhorar. Não foi. Como se costuma dizer "quando um não quer, dois não dançam", e só eu estava a querer dançar. Na verdade, também querias, mas querias dançar sem música. Mas onde é que já se viu dançar sem música? Mais uma vez ouvi promessas, mas descobri que tinha perdido a capacidade de acreditar, e por isso também tinha deixado de sonhar. No lugar dos sonhos ficou a angustia de não saber mais o que fazer, de querer mas não puder. Falta-me a coragem, sabedoria e paciência para enfrentar tudo de cabeça levantada. Falta-me coragem para ser feliz.

still inside you ~

Nunca me avisaram sobre o que vinha aí.  Acabaram todos por se alhear e corresponder ao esperado; esqueceram-se de que também preciso que esperem por mim. Ninguém me disse o que era querer voltar atrás, porque é que ninguém me explicou que a dor é efémera e duplamente vingativa? Eu não me culpo, nem sei se deveria sequer pensar nisso. Acabei de desligar as luzes e de acender um cigarro que me deixa morrer um pouco mais. Eu não escolhi isto, ninguém pediu a minha opinião, ninguém quis saber se eu aceitava este marasmo em que me encontro todos os dias. E quando se quebra o silêncio, sei que sou eu que estou a ficar surda de tanto gritar comigo mesma. Arranquem-me deste fardo invisível que carrego. Eu juro que voltava atrás só para poder agarrar-me um pouco mais. Porque eu deixo-me cair de propósito na esperança que doa menos. Troco os pés, invento tonturas, finjo desmaios. Eu só quero que doa menos. Estiquei os braços para que me agarrasses mas recolhi-os quando tentaste fazê-lo. Que pessoa cobarde é esta em que me tornei? Que vive de arrependimentos angustiantes e de alívios momentâneos? À força de não querer sofrer acabo por despedaçar um pouco mais de mim. Porque quando se abre uma ferida não há nada que possa ser feito. Todos os curativos são em vão: a dor é experienciada e, eventualmente, as cicatrizes acabam por durar uma vida inteira. E há ainda quem se encarregue de lhe por o dedo, de carregar na dor, de dizer: eu bem te avisei. E dói sempre um pouco mais. O mal das pessoas frias é pensar que o calor não as aquece. Que a mínima chama é inconcebível aos nossos olhos. Que, por mais que se queira, não conseguimos aceitar o quão acolhedor é sentir que nos querem oferecer um pouco mais de conforto. Porque não merecemos. O que fizemos nós por isso? Jogámo-nos ao chão de cabeça e acabámos por partir. O coração. Ou o que existe no seu lugar. Habituamo-nos a olhar duas vezes para alguém só para termos a certeza de que não vale a pena confiar e acabamos por ser nós a tornarmo-nos seres merecedores de desconfiança. De deixar para trás. Porque não queremos ser ajudados. E no entanto, desejamos tanto ter uma mão amiga para agarrar... 
Para nos levantar do chão. 
Eu sou tão nociva para mim mesma que acabo por destruir tudo à minha volta. Há pessoas que nascem com certos dons. Há quem saiba perdoar. Há quem saiba dar a mão a quem mais precisa. Há quem tenha jeito para cantar, dançar e até escrever. Eu, com o passar do tempo, descobri que ser vazia é o meu talento. Porque quanto menos temos para oferecer, menos nos cobram... E eu já não tenho nada para dar a ninguém. 

amo-te, e daí?




Eventualmente com o passar do tempo, aprendemos que as palavras não passam de apenas letras solitárias e melancólicas que se agruparam apenas para nos favorecer. É tão mais fácil conseguir comunicar com alguém que não entende o que o silêncio lhes diz. A meu ver, e pouco crente que me tornei, avaliamos demasiado aquilo que dizem em detrimento daquilo que nos tentam demonstrar. Mesmo que seja o contrário. Mesmo que no nosso íntimo, saibamos que não era bem aquilo que queríamos ouvir. Ou que queriam dizer. Ou que queríamos dizer. Vejo tanta gente colocar pontos finais no meio de frases sem sentido que me faz questionar se realmente as palavras valem aquilo que as fazemos valer. Especificamente, não entendo realmente o porquê de valorizarem tanto um "amo-te". Porquê? Porque não acreditam na veracidade do momento? Só se ama para sempre? Quem disse? Quem demonstrou? Quem fez decreto-lei para além do que nos passa no coração e principalmente na cabeça? Só podemos amar se soubermos que é para sempre. E por julgarmos que é sempre e para sempre é que amamos sem que nos avisem que o prazo de validade expira. Todos os prazos expiram. Não seria demasiado utópico acharmos que tudo o que amamos dura para sempre e que amarmos é para sempre? Quem diz que o amor não morre? Há amores pequenos, aqueles amores intensos que nos fazem acreditar que o momento é perpétuo, incrivelmente perfeito. Não seríamos demasiado hipócritas se não achássemos que a pessoa que amamos não muda e, consequentemente, o amor que existe? Quantas pessoas amamos na vida? Melhor ainda, quantas pessoas já amámos na vida? Pessoas que na altura, não nos veríamos sem. Porque era inconcebível imaginar um único segundo sem a presença dessa pessoa na nossa vida. E, no entanto, continuamos a amar, à distância, em silencio, em esquecimento. Porque ela realmente saiu da nossa vida. Ou fomos nós que a mandámos embora. Mas nas memórias que existem ainda há os tais momentos em que amámos tanto e tão bem que sabe amar só uns momentos a mais. Se me disserem que agora já não amam alguém eu acredito. Ou então não. Porque no fundo eu confio no que sinto, e acredito piamente que afinal, os amores não morrem. Transformam-se e ganham outra palavra. Era tão mais fácil se olhássemos para alguém e pensássemos "és tu. escolho amar-te porque amar é para sempre e parece-me que é contigo que quero passar o resto da minha vida". Seria demasiado alheia a tudo se julgasse que os amores de adolescência não existem uma vez que uma pequena minoria prevalece ao longo do tempo. Mas não é por isso que deixa de ser amor. Existem tantos amores para viver. Porque não é amor. É um sentimento pleno, sincero, sem termos nem nomes, e quem for capaz de o mencionar está erroneamente certo. Porque é isso que é suposto. Dizer que amamos alguém. Porque é o que essa pessoa quer ouvir. Porque gostamos dela, porque gosta de nós. E principalmente porque no momento em que amamos o futuro é previamente delineado de tal maneira a que não exista mais ninguém. A que ninguém mude. A que não existam caminhos diferentes e escolhas difíceis. Com objetivos semelhantes. Mas nunca é assim.
O futuro é tão escuro quanto o céu noturno que nos sobrevoa durante os sonhos. Existe sempre mais alguém. Não estamos sozinhos no mundo. E todos nós mudamos também, crescemos, amadurecemos. Vivemos, experienciamos. Há mil e um caminhos diferentes a percorrer e o quão bom é saber que podemos dar um passo atrás para sermos um bocadinho mais felizes. E cada caminho é traçado pelo objetivo que temos. Quem são vocês para dizer que têm apenas um objetivo na vida e que esse objetivo é imutável? Teríamos que ignorar o que queríamos ser ou ter enquanto crianças. Quantos de nós mudaram de ideias sobre a pessoa que queríamos ser quando fôssemos adultos? Não temos também o direito de mudar de ideias em relação ao que sentimos? Não confundamos; contra mim falo se disser que não importa os sofrimentos e a dor sentida no momento da escolha, do erro, das decisões precipitadas e das palavras proferidas momentaneamente e sobrevalorizadas. Existem mais 7 biliões de pessoas no mundo. Como sabemos nós que o amor que sentimos agora não pode ser ultrapassado em plenitude e perpetuidade? Mas nós nunca sabemos. E acabamos por amar só o que conhecemos. Uma e outra vez. Com desilusões amorosas, com corações partidos. Magoamos e somos magoados porque sim, porque amamos e deixamos de amar. Porque amámos e não fomos amados. Só acho que não devia haver juramentos de veracidade nem sinceridade. Porque eu não critico quem diz que ama. Nem gosto que me critiquem quando digo que amo. Muito menos que o refutem. Nunca fui de meias palavras nem de enganos propositados. 
Acredito sim que podemos amar. Que devemos amar e mais importante ainda, que devemos dizê-lo. Como? Da maneira que melhor entenderem. Com um amo-te precipitado e espontâneo ou com um gosto muito de ti acanhado. Um abraço sincero ou um beijo de cortar a respiração. Afinal, é para sempre até deixar de ser. E não precisamos de palavras para descrever isso.  

É que o amor é cego e por vezes também é mudo


warmness of the soul



Hoje tento ficar aqueles 5 minutos preciosos a mais na cama. Só hoje, quero aquecer o resto que me acompanha. A quem devo eu explicações do quanto me definho entre os lençóis castos e virgens, cheios de desejos e vazios? Peguei numa chávena de chá cheia de leite gelado, na tentativa de assassinar o meu cérebro com hipotermia, e deixei-me arrastar nos chinelos gastos que me ofereceste, há 4 anos atrás, até ao meu caixão. Antes de ti. Deixei a janela aberta para que não estranhassem o meu silêncio, no intuito de me destruir o casulo, e acabo por me dobrar em posição fetal, porque, como a minha imaginação é tão poderosa quanto a ua ausência, sei que agarro o que resta do meu peito, para que não se desfaça em pedaços, para que não se percam as peças do meu puzzle. Se não tocares agora à campainha eu juro que não saio daqui até ao fim. Basta apenas isso, não quero desculpas nem arrependimentos, muito menos compaixão. Deixa as flores e os chocolates no lixo ou então dá a quem dá valor. Esquece-te da serenata, não tragas carro e não avises ninguém. Eu sei que se te pedisse, não virias, já te conheço tão bem quanto a palma da minha mão, sei que só fazes o que eu não quero e foi por isso que partiste tão cedo.
Desta vez, promete que vens. E eu prometo que vai ser tudo diferente. Prometo que não te vou sorrir novamente, nem vou achar piada ao teu constrangimento e olhar doce e meigo. Não me vais levar a ver o pôr-do-sol na praia enquanto me tocas a tua música preferida na guitarra. Ela está aqui mas eu cortei-lhe as cordas, só por precaução. Não quero que me ofereças as rosas brancas que tanto te pedi nem quero um cachorro, porque já me deste um. E ele sofre tanto quanto eu. Deste-lhe um nome e aposto que a ti, ele ainda chama de herói no seu latir triste e melancólico, porque conhecia as nossas rotinas e tem medo que eu vá embora também, cada vez que me vê 5 minutos a mais, quieta. Mais quieta. Promete-me que não vens com pressa, que não planeias o futuro e promete-me que não vais começar a olhar para os bebés alheios com olhos de futuro-pai
embevecido. É só o que mais te peço, porque te pedi o contrário antes e não mo conseguiste dar. Diz só que não vais insistir para trazer a tua mota, nem carro, diz-me só que vens em segurança, que não te perdes na estrada, que não aceitas boleia de estranhos, que, desta vez, por favor, chegas inteiro até mim.
Toca à campainha ou então agarra na chave que, por hábito, me ensinaste a esconder debaixo do tapete da entrada, porque pensavas que os ladrões achariam demasiado óbvio e tu acharias a chave facilmente, quando eu te faltasse para abrir a porta. Promete-me que fazes isso, que acabas com este intervalo de espaço no meu coração, que vais entrar e, em silêncio total, me trazes uma chávena de leite frio até à cama, enquanto o cão te lambe os pés e chora de alegria, porque sabe que vais passar estes 5 minutos comigo.
Aprendi que, na vida, não importa as circunstâncias muito menos os motivos, só o acaso acontece, o relativo, o aleatório. Calhou-me a mim ficar sem ti, cedo demais. E que mais poderei eu fazer senão tentar descobrir maneiras de te manter presente no meu dia, viver o presente que me é dado, enquanto sei que, no fundo, tu estás aqui. Nas paredes da casa. No cão. Nos meus lençóis. No silêncio da noite e na agitação da manhã. Em mim.
Cativaste um lugar na cronologia do meu tempo e no meu tempo permaneceste até eu descobrir que o leite gelado me deixa anestesiada e que os 5 minutos de descanso acrescido me concedem um alívio por apenas... 5 minutos. E era só isso que precisava, hoje.