Leitor

There's no place like...




Se eu me sentar numa rocha enquanto ouço a banda sonora do momento sou capaz de me desmanchar em prantos porque não sei para onde voltar. Tenho os caminhos cruzados, mal amparados, com tantas casas vazias e portas entreabertas. Imagino-me a agarrar na minha mochila desbotada cujo fecho está frouxo e a enchê-la com tão pouco quanto existe em mim, contrastando com a minha mente assoberbada.Vejo-me a procurar um caminho invisível, tateando o percurso porque me é desconhecido e tão bem que me sabe. Deixo os cigarros morrerem-me no canto da boca enquanto me encontro deitada no cimo do monte e sinto a brisa deliciar-se com os meus cabelos pretos. Se fechar os olhos consigo continuar a imaginar-me a ir embora. Tanto sítio para onde ir e nenhum é o meu. Como tantas outras pessoas eu só quero voltar para a minha casa. Lar, por assim dizer, cuja definição é esmiuçada em tantas teorias filosóficas alheias e eu nem lhe sei o caminho. Porque a casa é mais do que abrir as portas e sentir o cheiro a bolo de de chocolate acabado de fazer, pegar numa manta e fundir-me com o sofá enquanto afago os pêlos do gato. Voltar a casa não é apenas abrir as persianas ao acordar e deixar a porta trancada quando saímos para não ter surpresas inesperadas quando voltamos. 
Basicamente é sentir que não existe outro lugar no mundo onde nos poderíamos sentir mais feliz, onde sabemos que o colo não nos falta e as palavras não compensam o afeto que sentimos quando nos encontramos connosco na nossa cabeça e coração.  Há mil e uma casas a rodear-me. Casas grandes e que ostentam luxo em qualquer aresta. Casas humildes com paredes em tijolo, casas vazias de amor e casas cheias de barulho. 
Continuo a preferir a minha mochila rota e desbotada, correr para lado nenhum sem sair do mesmo sítio porque sei que acabo sempre por voltar aqui: ao nada. Não sei que casa é a minha. O meu cigarro sussurra-me que não pertenço a lado nenhum, que nasci para ser uma sem-abrigo com cama para dormir e mesa para jantar e pessoas para ouvir.
Nós somos o sítio que nos faz falta, aquele que ainda não conhecemos e que permanece incógnito apesar da incessante necessidade de assentar a cabeça na almofada e ter a certeza de que amanhã, quando acordar, ainda estamos ali. E por comodismo ou propriamente incapacidade acabamos mesmo por acordar no mesmo sítio. Apesar de não ser a nossa casa. Porque não conhecemos outra. Porque o sorteio não nos mostrou mais caminhos e não queremos agarrar na mochila e partir à busca do desconhecido. Porque somos todos demasiado cobardes e assustadiços para termos a coragem de nos encontrarmos. Eu sou demasiado cobarde. Então apago o meu cigarro na terra húmida, respiro fundo e arranco forças do fundo de mim para me levantar e caminhar outra vez de volta. Só que desta vez, sem saber bem para onde, sei que vou parar ao mesmo sitio. Abro a porta e arrasto um sorriso enviesado e amarelo e digo num som melancólico e gasto: voltei.