Leitor

Eu já nem sei se te quero. Eu já nem sei se fui ou se sou, se estou. Se vou por mim. Sinto-me afogada no mar que és gostares de mim. No seres tu em tudo. Nas paredes da casa, no meu olhar melancólico, no soprar do vento forte, no cheiro a lareira acesa, no sol que ilumina as ondas, no cantar dos pássaros em plena primavera. Eu podia dizer que não quero mais. Eu já nem sei se te quero. Eu podia dizer que desisto. Eu já nem sei porque insisto. Pelo quê. Para quê.
Se espero aquilo que nem sei esperar, qual é o propósito? Tu continuas impávido e sereno, à espera de uma palavra, de um gesto. De um gesto teu também, porque já não mo sabes dar. Porque tudo o que fizeste foi dar e já nem sabes o que tens. Não mo transmites mas desesperas. E é isso que me irrita. Que não transmitas. Que não saibas. Que não digas. Quiçá eu soubesse então se te quero. Porque mostravas e não mostras mais, porque eras aquilo que não és mais. E eu não sou a mesma. Porque conheci os teus devaneios e sei que não gostam dos meus. Porque conheci a tua natureza e sei que não és feito do mesmo material que eu. Não és composto pelos meus medos, nem anseios. Muito menos desejos. Nem sonhos, nem amores, nem ilusões. Não sabes do que sou feita porque não sabes o que és. E por isso continuas aí, impávido e sereno, na mesma, à espera que o tempo passe, que traga aquilo que não queres, ou queres, ou devias querer. E eu continuo a querer que o tempo não venha, porque sei que vai trazer aquilo que quero, ou não quero, ou devia não querer. O destino juntou duas linhas que se perderam no tempo e no espaço, que não se encontram nem se enleiam. Que deram laços que se desataram e agora só lhes resta os nós. E nós. E nós sem saber o que fazer. Porque sabemos o que queremos sem saber como lá chegar. Porque tu não calças os meus sapatos e eu não quero fazer o teu caminho. Somos crentes em crenças que não crêem em nós, nos dois. Se ao menos as coisas fossem tão fáceis quanto as palavras. Eu diria que não te quero apesar de te querer. Eu diria que desisto apesar de, cá dentro, bem fundo da minha alma, eu saber que nunca vou parar de insistir em ter-te na minha vida. Porque parece certo. Pareces demasiado certo. E talvez por isso é que eu não sei se te quero. Porque eu não sou, porque tu sabes que eu não sou. E mesmo assim continuas impávido e sereno, como se conseguisses caminhar comigo ao colo, se conseguisses levar toda a minha bagagem sem te doerem as costas. Tu sabes que já começam a doer. Tu sabes que não sabes se consegues. E eu sei que não consegues. E então espero por um bocadinho de tempo, até que tu me digas que não consegues, para eu saber se tento ir pelo meu pé, se levo a minha bagagem ou jogo fora. Assim eu sei que não és demasiado certo. Que tens as tuas lacunas e devaneios, que não és feito do mesmo material que eu mas que existes, e que me deixas existir. Neste ponto...
deixámo-nos de ser os dois.