Leitor

Ainda tenho que dizer que te amo.



Até hoje, das coisas que mais lamento foi não ter seguido o teu percurso. Se me concedessem um desejo seria ser uma espécie de estrela-guia. Não para te orientar, não que precisasses. Tu, minha mulher de armas, ensinar-me-ias muito mais do que pudeste fazer. Seguraste-me ao colo inúmeras vezes, seguraste-me o mundo e seguraste a alma. Espero que a tua esteja a meu lado, neste momento. Nunca te poderei prestar a homenagem que o teu ser merece, nunca poderei dizer a ninguém o que foste, quem tu foste, eu não sei encontar a palavra certa e muito menos a definição. Ainda oiço a tua voz límpida e segura que nunca pude ouvir. Ainda te oiço contar histórias que nunca me contaste. Nunca me levaste à escola num dia de chuva. Nunca pude chegar a casa e ter o lanche quentinho e suculento à minha espera, como só uma avó sabe fazer. Nunca me acordaste para irmos à missa ao domingo, nunca me disseste "eu bem te avisei, meu amor" quando tive o meu primeiro desgosto amoroso. Nunca me avisaste dos amigos mascarados, nunca me pudeste limpar as lágrimas quando me doeu o coração.

Se me dessem a escolher, escolheria ter nascido mais cedo. Queria ver-te forte, sorridente e determinada. Queria conhecer a vitória que somava vitórias. Queria saber quem foste, personagem das histórias da família, que sem ti não se escreveriam em memória alguma.

E as memórias que tenho são imensas, apesar de tudo. Sempre te olhei com amor. Sempre fui contigo apanhar sol quando estava um dia lindo lá fora. O teu peso era mais do que o teu ser, tu e essa coisa com rodas e um assento sempre me acompanharam. Eu tratei de ti como tu deverias ter tratado de mim. A vida inverteu-nos a ordem do crescimento e da maturação.

Nunca tive vergonha de dizer que te limpei as lágrimas. Quando te sentias inútil e sem sentido. Quando te lembravas do que já foste e no que te tornaras. Nunca foste um fardo que tive que carregar. E o orgulho que tenho em dizer que me levantava todas as manhãs para te fazer o pequeno-almoço. Que assistia contigo à missa na televisão, e te via rezar para que Deus te levasse embora mais cedo. Que te fazia rir com as minhas piadas, e que tu só te rias para não chorar. Que quantas vezes te dei comida à boca, porque já não conseguias. Aprendi a ouvir o que dizias, a treinar as tuas vocalizações. A moldar-me aos teus devaneios.

Nunca entendi porque querias ir embora, se te tive por tão pouco tempo. Porque os anos que passei contigo a pouco souberam. Não me viste crescer porque tive que te ajudar a ser maior.

A vida foi-te madrasta. Mas a mim deu-me oportunidade de aprender contigo mais do que algum dia poderei aprender com alguém. E também me deu oportunidade de me despedir, eu é que não sabia. Eu é que nunca pensei que dois dias depois partisses para nunca mais te ver. Sinto um enorme peso na consciência porque não te disse que te amava. Fui embora sem saber que seria a última vez que te via.

Já lá vão mais de dois anos.
Espero que estejas em paz. Espero que finalmente, tenhas uso da tua alma e do teu coração, aí no céu. E sei que de vez em quando me vens ver. Me dás alento e um beijo de boas noites. Sei que me aqueces nas noites de inverno e me consolas quando estou a chorar. O que me enche de esperança é saber que não te esqueceste de mim. Que me visitas e deixas sempre um pouco de ti comigo. Sinto-te.

És o meu anjo da guarda, a minha Vitória.

P.S. Na próxima visita, deixa-me um frasquinho de paz e esperança. E espera por mim aí em cima, ainda nos vamos abraçar. Ainda tenho que dizer que te amo.

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