Leitor

i'm so lonesome i could cry





Começo a achar que o teu dom é apenas o da palavra. O de enganar - ludibriar com o toque, o olhar profundo, as frases feitas, as necessidades fingidas, as saudades forçadas. Foste tão forçado e não foi a me amar, foi ao me amar. Ao chegares. Ao vires para os meus braços, ao arrancares-me de onde estava. Do sossego onde vivia. E onde era feliz. Trouxeste mais cor, dizias tu, mas agora sei que preferes o preto e o branco. O cinza, quiçá. O 8 e o 80, tudo ou nada. Existir ou desaparecer por completo. E eu não sei se te acuse ou agradeça - eu nem sei distinguir se exististe ou não. 
Foi como acordar de um sonho que foi realidade, bater com a cabeça propositadamente, curar uma ressaca, beliscar, abrir os olhos. Gritar e conseguir-me ouvir. Agarro num cigarro e tento bebericar do copo de vinho que trago na mão há mais de uma hora enquanto ouço os pássaros na rua. Eu hoje não quero ver o sol. Não quero calçar sapatos. Prefiro manter o cabelo desgrenhado e as olheiras vincadas. A música morre nas colunas e eu continuo encostada à parede. Para onde foste afinal? Será que eu existi? Será que sabes a falta que me fazes? Que preciso do teu abraço, do teu cheiro, do teu beijo? Será que tens noção de que me forçaste a seguir em frente? Que me empurraste, morreste, deixaste-me sozinha e eu tenho que fingir que nunca me aconteceste? Será que também te lembras das promessas que me fizeste, dos olhares que trocámos e dos abraços nos quais adormecemos?
 A apatia tem-me consumido e eu não merecia isto. Não depois de tudo o que fiz por ti, por nós. Por achar que eras verdadeiro, que existias, que me querias. Que nos querias. E por pensar que por sermos tão iguais, iríamos dar certo. Mal sabia eu que, por sermos tão iguais, só poderíamos dar errado. Não se completa um puzzle com duas peças iguais. Não se encaixa. Não forma nada. Continuam a ser apenas duas peças iguais - quão romântico é - que não formam absolutamente nada. Ou ingénua fui eu, por pensar que poderíamos criar algo diferente, que nunca foi inventado, porque tu, da tua maneira de viver a vida, anseias sempre por descobertas e eu pensei que me quisesses dedilhar e explorar. A todos os níveis. Ou sou vazia ou tu não és assim tão explorador ávido por desafios. No entanto, prefiro continuar a pensar que tu és um fraco. Que desististe antes do início. Que foste cobarde o suficiente para viver o que sentias e que provavelmente enganaste-te mais a ti do que a mim. Que triste que és. E no meio disto tudo, eu continuo aqui, de cigarro na mão, a beber o meu vinho e a ouvir música. Não obstante das circunstancias, prefiro acreditar que estou melhor do que tu, para não ficar pior do que já estou.
Cansei.
Acho que me cansei. Os sintomas já desapareceram completamente. O coração não dispara, as bochechas continuam com sua cor natural, as mãos não suam. Não me sinto ingénua, estou atenta. Agora, quando as tuas palavras chegarem novamente, vão encontrar respostas rápidas e secas. Não acho o teu sorriso tão lindo quanto antes. Não quero desmerecer as tuas qualidades ou cuspir no prato que comi. Aprendi muita coisa contigo, principalmente o que não fazer. Alguém precisava gostar, amar, decepcionar e escrever um texto.
Nunca imaginei que seria eu, mas acho que me curei.
Sabes qual foi o antídoto? Amor próprio.

Ninguém aguenta viver na corda bamba por muito tempo e eventualmente um de nós acabaria por cair. Caímos os dois. E mesmo com as mãos entrelaçadas, fomos embora sozinhos.

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