Leitor

little respect ,









Desvias o olhar como quem esconde mil segredos e em mil palavras ditas, um milhão fica por dizer. Mordes o lábio e dizes em surdina aquilo que queres, porque tens vergonha ou porque o medo te consome cada vez mais. Seria mais fácil se não tivesses esse olhar de menino maroto, se o teu cabelo não me tirasse do sério por ser tão rebelde, se as tuas bochechas não ficassem vermelhas cada vez que te encaro por mais de dois segundos. Se não tivesses um sorriso doce e se as tuas mãos não tivessem o toque de seda, quando as encostas na minha cara. Eu juro, deixava este caminho sem olhar para trás, fechava os olhos e preferia não perder tempo com assuntos acerca dos quais não possuo controle. Eu não preciso de coisas que me fogem as mãos, porque quanto mais eu as fecho para segurar, mais elas me escorregam por entre os dedos. Não se obriga uma pessoa a ficar quando aquilo que ela mais quer é ir embora. Digo-te vezes sem conta o que vi em ti e tu, teimoso, continuas a fingir que não é nada contigo, que não te afecta, que não queres, que não sabes. Que não precisas. E, de soslaio, lanças-me um olhar suplicante, como quem pede para eu insistir mais um bocadinho. Para eu te continuar a contrariar. Para eu te convencer de que precisas de mim, porque sabes que queres precisar. Só tens medo. Só queres segurança. Confiança. Saber que o caminho que estás prestes a seguir não te vai fugir debaixo dos pés. Porque já não sabes cair. Porque tens medo que ninguém te levante. Porque já te magoei e só tu sabes o quanto doeu. 

Faço das tripas coração para te chegar, para te agarrar nos meus braços e para que sintas que te podes aninhar sempre quiseres. Mostro mil arrependimentos, profiro duas mil palavras e num milhão de beijos tento entregar-te o meu amor.
É só olhar para trás e ver tudo o que mudou. Ver o que se passou. Ver o que aprendemos. E continuamos a dizer que está tudo diferente, que as ruas já não nos parecem as mesmas e que os lugares que frequentámos já não significam nada. Quem mudou fomos nós. E neste caso a distância pagou-se cara. Tu, que me voltas aos braços com um sorriso diferente, o teu cabelo já não tem o mesmo aspecto e já aprendeste a controlar a tua vergonha e embaraço quando te contemplo. Mas os teus olhos ainda não aprenderam a olhar-me sem me desejar e continuo a saber que talvez e passado tanto tempo ainda me queiras. Mesmo que tentes não me querer. Mesmo que saibas que já te fiz cair uma vez e que foste obrigado a levantar-te sozinho. E principalmente, que se a vida é um eterno regresso a casa, talvez tu só queiras voltar ao sítio que já te fez feliz. Onde perdeste a inocência e onde começaste a ganhar cicatrizes. Onde te lembras de tudo o que fomos, e guardas, numa gaveta escondida no teu coração, todas as coisas boas que já proporcionámos um ao outro.
Sei que eu ainda tenho a chave, sei que a quero abrir, mas cabe-te a ti sentires o desejo de voltar a percorrer todas as memórias e cheiros e toques e risos e piadas e choros e músicas e abraços e desejos. 
Continuas a tentar evitar olhar para dentro de mim, mas eu volto a insistir. E digo-te uma e outra vez porque é que te quero tanto. Porque é que ainda te quero tanto. O tempo perdeu-se mas nós não nos perdemos no tempo e a vida arranja sempre maneira de nos entregar o que é nosso. O que deveria ter sido nosso desde o início. Mesmo que não tenhamos visto o que estávamos a perder. 
Mas eu quero saber...
Se o futuro não nos traísse, como é que teria sido?

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