Leitor

warmness of the soul



Hoje tento ficar aqueles 5 minutos preciosos a mais na cama. Só hoje, quero aquecer o resto que me acompanha. A quem devo eu explicações do quanto me definho entre os lençóis castos e virgens, cheios de desejos e vazios? Peguei numa chávena de chá cheia de leite gelado, na tentativa de assassinar o meu cérebro com hipotermia, e deixei-me arrastar nos chinelos gastos que me ofereceste, há 4 anos atrás, até ao meu caixão. Antes de ti. Deixei a janela aberta para que não estranhassem o meu silêncio, no intuito de me destruir o casulo, e acabo por me dobrar em posição fetal, porque, como a minha imaginação é tão poderosa quanto a ua ausência, sei que agarro o que resta do meu peito, para que não se desfaça em pedaços, para que não se percam as peças do meu puzzle. Se não tocares agora à campainha eu juro que não saio daqui até ao fim. Basta apenas isso, não quero desculpas nem arrependimentos, muito menos compaixão. Deixa as flores e os chocolates no lixo ou então dá a quem dá valor. Esquece-te da serenata, não tragas carro e não avises ninguém. Eu sei que se te pedisse, não virias, já te conheço tão bem quanto a palma da minha mão, sei que só fazes o que eu não quero e foi por isso que partiste tão cedo.
Desta vez, promete que vens. E eu prometo que vai ser tudo diferente. Prometo que não te vou sorrir novamente, nem vou achar piada ao teu constrangimento e olhar doce e meigo. Não me vais levar a ver o pôr-do-sol na praia enquanto me tocas a tua música preferida na guitarra. Ela está aqui mas eu cortei-lhe as cordas, só por precaução. Não quero que me ofereças as rosas brancas que tanto te pedi nem quero um cachorro, porque já me deste um. E ele sofre tanto quanto eu. Deste-lhe um nome e aposto que a ti, ele ainda chama de herói no seu latir triste e melancólico, porque conhecia as nossas rotinas e tem medo que eu vá embora também, cada vez que me vê 5 minutos a mais, quieta. Mais quieta. Promete-me que não vens com pressa, que não planeias o futuro e promete-me que não vais começar a olhar para os bebés alheios com olhos de futuro-pai
embevecido. É só o que mais te peço, porque te pedi o contrário antes e não mo conseguiste dar. Diz só que não vais insistir para trazer a tua mota, nem carro, diz-me só que vens em segurança, que não te perdes na estrada, que não aceitas boleia de estranhos, que, desta vez, por favor, chegas inteiro até mim.
Toca à campainha ou então agarra na chave que, por hábito, me ensinaste a esconder debaixo do tapete da entrada, porque pensavas que os ladrões achariam demasiado óbvio e tu acharias a chave facilmente, quando eu te faltasse para abrir a porta. Promete-me que fazes isso, que acabas com este intervalo de espaço no meu coração, que vais entrar e, em silêncio total, me trazes uma chávena de leite frio até à cama, enquanto o cão te lambe os pés e chora de alegria, porque sabe que vais passar estes 5 minutos comigo.
Aprendi que, na vida, não importa as circunstâncias muito menos os motivos, só o acaso acontece, o relativo, o aleatório. Calhou-me a mim ficar sem ti, cedo demais. E que mais poderei eu fazer senão tentar descobrir maneiras de te manter presente no meu dia, viver o presente que me é dado, enquanto sei que, no fundo, tu estás aqui. Nas paredes da casa. No cão. Nos meus lençóis. No silêncio da noite e na agitação da manhã. Em mim.
Cativaste um lugar na cronologia do meu tempo e no meu tempo permaneceste até eu descobrir que o leite gelado me deixa anestesiada e que os 5 minutos de descanso acrescido me concedem um alívio por apenas... 5 minutos. E era só isso que precisava, hoje.

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