Leitor

still inside you ~

Nunca me avisaram sobre o que vinha aí.  Acabaram todos por se alhear e corresponder ao esperado; esqueceram-se de que também preciso que esperem por mim. Ninguém me disse o que era querer voltar atrás, porque é que ninguém me explicou que a dor é efémera e duplamente vingativa? Eu não me culpo, nem sei se deveria sequer pensar nisso. Acabei de desligar as luzes e de acender um cigarro que me deixa morrer um pouco mais. Eu não escolhi isto, ninguém pediu a minha opinião, ninguém quis saber se eu aceitava este marasmo em que me encontro todos os dias. E quando se quebra o silêncio, sei que sou eu que estou a ficar surda de tanto gritar comigo mesma. Arranquem-me deste fardo invisível que carrego. Eu juro que voltava atrás só para poder agarrar-me um pouco mais. Porque eu deixo-me cair de propósito na esperança que doa menos. Troco os pés, invento tonturas, finjo desmaios. Eu só quero que doa menos. Estiquei os braços para que me agarrasses mas recolhi-os quando tentaste fazê-lo. Que pessoa cobarde é esta em que me tornei? Que vive de arrependimentos angustiantes e de alívios momentâneos? À força de não querer sofrer acabo por despedaçar um pouco mais de mim. Porque quando se abre uma ferida não há nada que possa ser feito. Todos os curativos são em vão: a dor é experienciada e, eventualmente, as cicatrizes acabam por durar uma vida inteira. E há ainda quem se encarregue de lhe por o dedo, de carregar na dor, de dizer: eu bem te avisei. E dói sempre um pouco mais. O mal das pessoas frias é pensar que o calor não as aquece. Que a mínima chama é inconcebível aos nossos olhos. Que, por mais que se queira, não conseguimos aceitar o quão acolhedor é sentir que nos querem oferecer um pouco mais de conforto. Porque não merecemos. O que fizemos nós por isso? Jogámo-nos ao chão de cabeça e acabámos por partir. O coração. Ou o que existe no seu lugar. Habituamo-nos a olhar duas vezes para alguém só para termos a certeza de que não vale a pena confiar e acabamos por ser nós a tornarmo-nos seres merecedores de desconfiança. De deixar para trás. Porque não queremos ser ajudados. E no entanto, desejamos tanto ter uma mão amiga para agarrar... 
Para nos levantar do chão. 
Eu sou tão nociva para mim mesma que acabo por destruir tudo à minha volta. Há pessoas que nascem com certos dons. Há quem saiba perdoar. Há quem saiba dar a mão a quem mais precisa. Há quem tenha jeito para cantar, dançar e até escrever. Eu, com o passar do tempo, descobri que ser vazia é o meu talento. Porque quanto menos temos para oferecer, menos nos cobram... E eu já não tenho nada para dar a ninguém. 

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