Leitor

Diagnosticado.

Levantei-me à pouco, calcei os chinelos desbotados e fiquei sentada na sala a olhar para as paredes vazias. A casa está sem cor e sem calor, de lar não tem nada e doce muito menos. Pego na caneca cheia de corações que me ofereceste no natal passado, e apetece-me multiplicá-la para que te sinta neste natal. Novamente. Tento abstrair-me um bocado da melancolia avassaladora e fria que me arrebata ultimamente. Só reparo que estou sozinha porque estou sozinha. Passo os dias rodeada de pessoas vazias e sei que o que me preenchia eras tu. O ser humano é exímio em conseguir distrações nas situações adversas mas eu já cansei o coração e mais importante ainda, a minha cabeça. Esgotaram-se as opções e por isso resta-me apenas contemplar o vácuo. O café está quente e por segundos fecho os olhos. Como é possível uma pessoa aguentar tamanhas perdas? Não que se morra de amor e muito menos pela falta dele, mas o que fica quando já não fica mais nada? Nada. É isso que faz toda a diferença. Já nada me aquece, já nada me move. Acordo apática dia após dia, sem sentir emoções relativamente a nada. Não ligo a tv porque não aguento ouvir pessoas a falarem, não ouço música com medo que alguma me recorde das tuas gargalhadas. Não tenho fotografias nas paredes porque não quero ir buscar o nosso álbum. Acendo cigarro atrás de cigarro. Um fantasma teria mais vida nesta casa do que eu, que consigo estar mais vazia do que ela. Não me apetece sequer chorar. Passou a fase da revolta desesperada, do sentimento de injustiça seguido da culpa. A tentativa falhada de reverter as coisas. O ir atrás. O dar para trás. O chorar compulsivamente e as promessas de que não verteria mais nenhuma lágrima. Isso tudo passou porque não há mais nada para se passar. Porque as portas fecharam-se e eu não as quero abrir. Vou à janela, espreito de fininho. Ainda te consigo ver passar por aqui, parece-me que olhas duas vezes para a porta e reparas que não tenho regado as plantas, sinto-me culpada. Dou um último bafo no cigarro, jogo a ponta pela janela e escorrego pela parede abaixo. Não sei pelo que espero. Não sei o que te quero. 
Vem-me buscar. 

Segunda estrela à direita, sempre em frente até ao próximo amanhecer. 

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