Leitor

Das palavras de que não te digo...

Tenho muita coisa guardada para ti. A maioria são acções, eu, que sempre me orgulhei por passar por cima das tuas contradições, guardo-te vinganças. Não vinganças minhas, não. Pagarás de forma pesarosa o resto da tua vida. E não farei nada para que sofras, quem seria eu afinal, para fazer algo contra ti? Tu que me és mais que palavras, mais que actos. És-me mais que sangue. E eu sou-te mais que carne. Sou a tua consciência pesada, o teu diário, os teus segredos e medos. Eu sou-te pecados e dor. Sou-te o arrependimento maior que se pode sentir. Sou-te o orgulho ferido e os erros cometidos. Sou-te tu, em mim. Mas eu não te quero a mim. Não, tu foge. Foge enquanto é tempo, já deverias ter fugido ao tempo. O tempo que passa, sem fugir, andando, só, entre nós, sem nós, connosco num tempo perdido, sem ele. Ele é ele. Nunca nos seguiu, sempre nos separou e por ele nos separar tanto é que estaremos para sempre ligadas, por ele. O amor. Pena que não o quero, não nos quero, não te quero. És-me tanto que passas a ser nada. E como te disse, guardo-te acções. Guardo-te sucessos e futuros, guardo-te uma vida que poderias ter tido comigo, guardo-te vitórias. Guardo-te também rancor. Sempre fui rancorosa, de todos os defeitos que poderia ter, este é o que te magoa mais. E não veio de ti. E as palavras? As palavras são ecos, pequenos reflexos do que sinto, do que sinto há 20 anos, do que vivo e vou vivendo, cada vez aprendendo mais, cada vez tendo mais a noção de que somos para quem temos que ser. A vida e tu, ensinaram-me ambas a ver quem me faz bem, sim. Mas ensinaram-me ainda melhor a ver quem me faz mal.
É a primeira vez que te escrevo. Olho-te mas não te vejo, falas mas não te oiço. Eu falo-te. Mas não te digo. Deixo que fique a pairar entre nós.
Eu não te quero mais. A mágoa é demasiado grande para aguentar-te. É a primeira vez que te escrevo. É a última vez que te escrevo.

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